À ordem

Ernani Spagnuolo

Advogado, Cientista Jurídico, Político e Social. Instagram: @uadvogado

As Correntes de Pensamento nas Quais o Brasil Navega

Quem estuda o Direito ou tem a intenção de entender as decisões que moldam nossas vidas deveria aprofundar em duas correntes de pensamentos relativamente recentes que, embora não possam ser chamadas de escolas de pensamento pois, ainda não encontram uma definição nítida na doutrina, estão presentes em nosso cotidiano.

Isso ocorre porque quase todo mundo tem sua própria opinião, frequentemente diverge da opinião dos colegas.

Apesar disso, vários autores debatem essas correntes, que ajudam a explicar a tensão existente na sociedade brasileira e definem até que ponto o Poder Judiciário pode decidir sobre as macros questões sociais.

As macros questões sociais podem ser definidas como problemas políticos, econômicos e sociais que refletem o processo de evolução civilizatória do nosso país. A título de exemplo, podemos mencionar temas como injustiça, violência, poluição, discriminação, controle de armas, casamento homoafetivo e direito de propriedade.

O debate atual, portanto, se resume a: até onde o Judiciário pode ir nas macroquestões sociais sem incorrer em ativismo judicial, usurpando funções atribuídas a outros poderes?

Primeiramente, é importante diferenciar o ativismo judicial da autocontenção.

O Ativismo judicial refere-se à interpretação proativa da lei, na qual o julgador vai além do que a norma estabelece, interpretando-a de acordo com seus próprios conhecimentos e crenças.

Já a Autocontenção, por outro lado, é um princípio que determina que o Judiciário deve evitar intervir em questões politicamente controversas, as quais cabem àqueles eleitos pelo povo para representá-los. Nesse caso, o Judiciário reduz sua atuação, mantendo-a dentro de limites modestos, evitando que o ego dos julgadores influencie as decisões.

Essas discussões nos levam às correntes do Substancialismo e do Procedimentalismo, que representam formas distintas de entender o papel do Judiciário no cenário político e social.

Os Substancialistas acreditam que o Judiciário, ao aplicar as normas, é capaz de tomar melhores decisões sobre temas macro (como aborto e liberdade de expressão) do que os próprios legisladores eleitos.

O Procedimentalismo, por outro lado, os procedimentalistas, que eu descobri ser mais alinhados ao que acredito, têm uma postura mais austera. Eles entendem que as macrodecisões políticas devem ser tomadas em uma esfera mais propriamente política, sem a mediação do Judiciário. Todavia, reconhecem que o Judiciário não é alheio à política, mas defendem que ele deve se ater às normas da maneira como estão postas, evitando interpretações convenientes.

De forma mais clara, utilizando uma metáfora comum, os procedimentalistas acreditam que o Judiciário deve atuar dentro das quatro linhas do campo, observando todas as regras do jogo. Enquanto os substancialistas entendem que, vez ou outra, o Judiciário pode assumir o papel de jogador e até marcar um gol.

O filósofo político procedimentalista John Rawls cunhou o termo consenso sobreposto, que descreve um acordo possível em sociedades pluralistas, baseado na estabilidade e na não sobreposição de forças políticas ou sociais umas sobre as outras.

Por outro lado, como exemplo de substancialista, podemos citar o Ministro do Supremo Tribunal Federal Luís Roberto Barroso, que defende que a democracia deve aderir a valores morais estipulados não pelos legisladores, mas pelos julgadores.

No Brasil, como o Supremo Tribunal Federal é a única e última instância substancialista, é de se imaginar que as decisões e interpretações hermenêuticas da Constituição variem conforme o contexto e quem está sendo julgado.

Para os substancialistas, a lei é apenas um conceito básico que deve ser moldado pelo próprio intérprete.

Então o debate entre ser substancialista ou procedimentalista reflete uma das questões mais tensas do sistema jurídico brasileiro, que é o equilíbrio entre a atuação do Poder Judiciário e o respeito às prerrogativas dos demais poderes.

Enquanto os substancialistas defendem um papel mais ativo do judiciário, os procedimentalistas alertam para os riscos gritantes que vemos cotidianamente na interferência em temas que deveriam ser decididos na esfera política. 

A análise dos limites e responsabilidade do Poder Judiciário e de seus integrantes é necessária para garantir uma atuação alinhada aos princípios democráticos estampados na constituição e não da interpretação que os ministros do supremo fazem dela.

Abaixo segue um exemplo de puro substancialismo onde o Judiciário invade um tema que sequer foi regulado pelo legislativo que é a inteligência artificial.

O Poder Legislativo reagindo ao substancialismo excessivo do STF propôs ontem, 11/12/2024, a PEC 48/2024 que Altera o art. 53 da Constituição Federal para deixar explícito que a imunidade material de Deputados e Senadores se aplica independentemente do local em que forem proferidas opiniões, palavras e votos, e para determinar ao Ministro do Supremo Tribunal Federal que, no exercício de suas funções, contrariar esta disposição, a pena de perda do cargo, sem vencimentos e com inabilitação, por até cinco anos, para o exercício de qualquer função pública.

Ou seja, é uma forma de impor o procedimentalismo ao STF. Nada mais justo.

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