Entre linhas e leis

Rayanne Bárbara

Advogada com 10 anos de experiência em advocacia cível, atuando em demandas de indenização, relações de consumo, contratos, negócios imobiliários, direito de família e sucessões. Atualmente, é Coordenadora Jurídica no Mírian Gontijo Advogados, onde presta assessoria preventiva a empresas e cooperativas, com foco na elaboração de contratos, pareceres e serviços administrativos junto a órgãos públicos.

Direito de TER pai x Direito de SER pai

São inúmeros os conflitos que decorrem das relações de parentesco e, entre eles, muito se discute sobre a relação entre pais e filhos, especialmente por ocasião do rompimento do vínculo conjugal ou quando este sequer existiu e, então, surge a controvérsia sobre como lidar com as questões relacionadas à vida do infante, sem olvidar-se da máxima que é sempre preservar o melhor interesse da criança.


Em cenários como este, em que existem, ao menos, dois núcleos familiares, surgem várias questões a serem dirimidas, especialmente no tocante aos filhos, no que diz respeito à guarda, à convivência familiar, alimentos e, de modo geral, ao modo como se pretende estabelecer a nova rotina na vida da criança, cujos pais já não mais compartilham do mesmo ambiente familiar.


É certo que o vínculo conjugal pode se romper pelo desfazimento do casamento ou da união estável ou mesmo nunca existir, mas o vínculo parental que se estabelece entre os pais da criança, este sempre irá persistir e, é por isso, que tratar das questões familiares, especialmente em momentos de ruptura, é uma tarefa bastante valorosa, que envolve sentimentos, experiências, crenças e vai muito além do que resolver um conflito, reflete na construção de um novo modelo de vida para todos os envolvidos, cujas consequências se perpetuam e se acentuam ao longo do tempo.


Muito já se ouviu falar sobre a possibilidade de responsabilização por abandono afetivo. Isso porque, conforme bem salientado pela Min. Nancy Andrighi ninguém é obrigado a amar, mas o dever de cuidar é indissociável da função paternal (Resp. 1.159.242/SP).


Partindo dessa reflexão, mostra-se, também, interessante pensar sob outro prisma, que não apenas no dever dos pais de zelar pelos seus filhos, mas no direito que os pais detêm de exercer essa prerrogativa, pois muito mais do que um múnus, a criação e educação de um filho decorre de um sentimento natural de proteção e cuidado e cujo exercício também deve ser assegurado numa vertente que visa resguardar o pai ou a mãe que se sentir lesado nesse direito, indispensável para a boa formação e inserção da família no contexto social em que vive.


É pensando no direito de TER pai, que reflete um lado da história, onde existe a necessidade do filho de conhecer a sua origem genética ou mesmo de ter reconhecida a sua paternidade socioafetiva após longos anos de convivência e partilha mútua com aquele que lhe prestou cuidado e amor, que surge, de outro lado, a perspectiva do direito de SER pai, que aponta para o outro lado da história, no ponto em que o exercício da paternidade é também fundamental para que haja um elo saudável pelo qual, também, deve ser assegurado ao pai o poder-dever de intervir diretamente na criação e educação do filho, como algo que não apenas beneficia o infante que necessita desse cuidado, mas o próprio pai, pois gera pertencimento e estabelece um equilíbrio na relação familiar.


Importante frisar que o termo pai aqui empregado remete à figura masculina, mas pode ser interpretado no sentido amplo, para abranger também as mães que, do mesmo modo, podem se sentir lesadas no exercício do seu papel maternal, embora, na maioria dos casos, seja comum lidar com situações em que o pai se vê restringido no exercício do seu poder familiar, por motivo de limitação do tempo de convivência com o filho e de dificuldade nas tomadas de decisão sobre aspectos relevantes da vida da criança, em que muito se prevalece a postura da mãe.


Essa situação se deve, ainda, à existência de uma cultura arraigada em princípios já um tanto ultrapassados, mas que ainda pairam sobre a sociedade, pelos quais a mãe é vista como a pessoa que tem melhores condições de cuidar e zelar pelos interesses dos filhos, exercendo a figura, em tese, de melhor cuidadora.


No entanto, a sociedade tem evoluído e, do mesmo modo que as mulheres passaram a integrar em maior número o mercado de trabalho, os pais também passaram a exercer um papel mais ativo na vida dos seus filhos e, não é raro que, em muitos casos, o casal decida atribuir ao pai as tarefas diretamente ligadas aos cuidados com a prole, enquanto a mãe investe nas oportunidades de trabalho para suprir as necessidades materiais da família.


Também, já não é tão difícil encontrar acordos ou decisões que atribuam a guarda ao pai e, principalmente, que fixam a guarda compartilhada, sendo esta a regra atualmente, pois permite uma participação ativa e igualitária de ambos os pais. Aliás, o instituto da guarda compartilhada é uma consequência do novo modelo de família que vem se difundindo na sociedade, em que o papel do pai na vida do infante é tão importante e necessário quanto o da mãe, de modo que não mais se justifica a guarda unilateral, que, em regra, era concedida à mãe.


Em suma, a presente abordagem visa apenas estimular a reflexão, de modo a se pensar que assim como o direito de ter pai é fundamental, aos pais também deve ser assegurado o direito de o ser, na mesma medida, pois essa é uma via de mão dupla, com reflexos profundos para ambos os lados.

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